terça-feira, 20 de março de 2012

“Eu só gosto de educação sexual...”


Sabe aqueles filmes que começam com a pessoa se descrevendo? A câmera enquadra alguns espaços que a traduzem – cômodos da casa que documentam os livros preferidos; um disco especial; algumas roupas cuidadosamente largadas pela cama; uma geral na geladeira ou despensa – e, ao fundo, apenas a voz da narradora: Bem, meu nome é Larissa Santos Pereira, tenho 31 anos, sou de Ipiaú, amo chocolate, fotografia, música e viagens e ...( a voz assume a hesitação da alma...) ...sou professora. É essa é a minha profissão. Professora. Fiz Letras e me especializei no trabalho com a disciplina Redação. Risos. Ler-escrever é a minha paixão! Eu poderia me imaginar um único dia sem estar em contato com a grafia viva? Para mim, a palavra “palavra” é toda vivinha e meu envolvimento com as pessoas é mediado por elas. Mais do que as pessoas, são as palavras que me encantam. Mesmo sem chave, Drummond, eu estou aqui, submersa no reino delas. Legal, né? Só tem um “porém”. Unzinho só, que é para não perder o costume de me contrariar. A adversativa, nesse caso, é oriunda de uma profunda crise profissional. Difícil falar disso. Confuso ainda, dentro de mim. Daniela Carvalho, uma amiga querida, surgiu esses dias com uma distinção interessante: “Estar encantada não é estar apaixonada. Uma coisa é diferente da outra”. Acho que ela quer hierarquizar os sentimentos, né? É sobre isso que eu tenho me perguntado quando penso em minha condição de professora. Perdi a paixão ou apenas estou desencantada? Sei não, mas acho que essa conceituação danielense é uma furada. Paixão e encanto tem tudo a ver. Perceber que, em algum aspecto, determinada aprendizagem foi libertadora para o aluno traz para mim uma emoção absurda. Eu encaro a minha profissão como uma possibilidade de revolução pessoal cotidiana. Putaquepariu! Quanta pretensão, hein? Risos. Explico-me: o conhecimento traz poder. Essa talvez seja a máxima mais simplória e mais complexa do mundo. Nem todo conhecimento traz poder, mas é inquestionável a sua possibilidade de mudança. Inquestionável. É por isso que está me doendo tanto ser professora. Onde estão as mudanças? Cadê o produto do meu trabalho? Afinal, para que serve uma escola hoje? Eu não quero trabalhar em uma escola que tenha como propósito aprovar o maior número possível de alunos no Vestibular. Simples assim. E ... (suspiro) não estou falando isso em relação às escolas específicas em que trabalho ou trabalhei. Apenas não gostaria ter que dizer para o meu aluno que ele deve estudar Redação porque essa é uma matéria importante no Vestibular, entende? Poxa, eu sei que o meu tecido epidérmico é todo forrado de utopias, mas...eu realmente queria poder trabalhar em um modelo de escola em que ler e escrever fossem considerados paixões. Devo estar pedindo demais. Devo ter assistido muita sessão da tarde na Rede Bobo de televisão. Enfim. Devo ser uma tola. Não estou aqui desconsiderando o papel que um curso universitário tem hoje para a vida profissional de qualquer indivíduo. Não estou defendendo que todos deveríamos virar hippies e sair por aí criando comunidades alternativas e pregando a paz e o amor. Não estou insinuando que a anarquia (oi, oi, garotos podres!!) seria/ terá sido o formato ideal. Autogestão? Eu quero, tão somente, uma escola em que o conhecimento seja o mais importante. Conhecer porque é bom, sabe? Conhecer porque esse ato cria condições para que eu seja mais gente, mais humana, mais solidária, mais cristã (na acepção que eu entendo do cristianismo, viu, possíveis fundamentalistas?). Quando escrevo isso aqui fico me sentindo ainda mais tola. Eu que falo tanto para os meus alunos da necessidade de se utilizar argumentos fundamentados estarei aqui sendo piegas? Poxa, então ela é uma mulher de 31 anos e ainda não entendeu o que é o capitalismo selvagem? Olha, eu tenho perguntas a perder de vista, mas uma pequenina certeza se aconchega em meu coração: mesmo tendo passado no vestibular e sendo responsável, cristã convicta, cidadã modelo e burguesa padrão (Renato Russo, eu já disse hoje que te amo?)... mesmo assim...eu não sou feliz nesse modelo de escola em que as coisas parecem cruelmente invertidas. E felicidade pareceu agora algo tão dispensável, tão pouco prático. Risos. Ah..então ela quer ser feliz! Pirou, né? Tanto a querer e ela se comportando como uma menininha interiorana. Será que também acredita em papai noel e em príncipe encantado? Olha...(suspiro²), tenho consciência das necessidades imediatas cotidianas e de que, depois dos 30, ninguém mais tenho direito a ser um ingênuo militante (é preciso se adaptar, né, Titãs?), mas não. A minha receita de sucesso não é o número de alunos que conseguem decorar o que vai cair em uma prova que – não é segredo para ninguém! – não prova que fulano é mais inteligente do que sicrano. Para mim, a evidência latente trazida pelo vestibular é a de que vivemos em uma sociedade totalmente desigual, em que o número de vagas é inferior ao número de candidatos. Apenas isso. Enfim, eu não sei ainda o que vai acontecer comigo, o que farei com essa autobiografia tão bonitinha e tão ordinária, mas... ou muda essa escola ou mudo eu. Sem mais, Meritíssimo.

P.S.:Ilustra linda,q chamo de "A cobra" do grande Sica.

7 comentários:

  1. Ô Lari, tenho gostado mt dos seus textos.. são bem envolventes.Me fazem pensar nos motivos que me levaram a escolher Letras como um curso pra minha vida e nos motivos que tão me fazendo pensar em um novo curso, sem ao menos ter experimentado o primeiro.. :) beijos com carinho!

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  2. Poxa, queria que todos os professores desse país, fossem Educadores como a senhora... "...não prova que fulano é mais inteligente do que sicrano. Para mim, a evidência latente trazida pelo vestibular é a de que vivemos em uma sociedade totalmente desigual, em que o número de vagas é inferior ao número de candidatos." Como sempre disse em sala de aula, eu ODEIO esse sistema podre! Fugindo do assunto: Lembro-me de cada conselho, de cada palavra que me disseste, de cada estimulo que me deste, Pode ter certeza Lari (informal) que cada "palavra" dita a mim, não foi em vão! Obrigado, obrigado de verdade!

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  3. texto rico, verdadeiro e cheio de referências...amei

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  4. Larissa ta mais lucida que nunca...estranho, ne?

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  5. Menina bonita. Gosto muito da tua dicção. Um beijo bom.

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  6. Enquanto professor, se não formos enterrados em todos os aprendizes, em alguns viveremos para sempre. O meu colega, Prof. Paulo Freire, certa feita disse que "o educador se eterniza em cada ser que que educa".Viverás Larissa. Viverás Professora Larissa. Fique em paz \o/

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  7. Larissa que texto maravilhoso. Espero ansiosa pelo dia em que vou entrar em uma livraria e vou ver um livro teu. Vou ler esse livro com tanta vontade que terminarei em um único dia.

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