sexta-feira, 9 de março de 2012

E o prontuário, como é?



Primeiro dia na psiquiatria pública. Cheiro de gente em primeira instância. Gente com cara de povo, como diz o poeta Affonso Romano de Sant'ana (Gracias, Daniela Galdino, por há muito ter me apresentado esse homem).Os desajustados. Os párias. Os doidos e os acompanhantes dos doidos se misturam. Tenho dificuldade em discernir:afinal, quem é o paciente, quem é o acompanhante? As pesssoas daqui são pessoas que não existem. Não estão nas propagandas ou comerciais. Não servem para vender condomínios, carro ou pasta de dente. São as pessoas que vestem a moda de anteontem. Ou melhor, vestem a não-moda. O cinto que nunca existiu. O sutiã de dois reais. Tudo é emblemático. tudo grita invisibilidade. Na parede, uma postagem de Millôr Fernandes ensina que "A única diferença entre a loucura e a saúde mental é que a primeira é mais comum". Uma contribuição de estudantes de Psicologia de alguma faculdade particular q estiveram por lá fazendo estágio, pelo o q entendi. Enquanto aguardo a minha vez de ser atendida, leio as frases e as pessoas."Porque na verdade, a gente é da saúde, só estamos suprindo a recepção por falta de funcionário"; "Jesus voltará em breve"; "Fala, fala, ela não morde não..."; "Espera aí que na hora a dra. chama." A descrição mais fiel desse quadro já foi feita por Castro Alves, em Navio Negreiro:"Um de raiva delira, outro enlouquece...Outro que de martírios embrutece, cantando, geme e ri!". Não é a toa q estes des-centrados de hj são tão parecidos com os desterrados de ontem.No fim de tudo ao meu lado chega um homem-menino (todos os loucos tem olhos de criança?) com uma camisa legendada "Viver com prazer". Sem mais rodeios, encara-me e desfere a seguinte lâmina: "Ei, me dá um real aí".

6 comentários:

  1. Fecho os olhos e me vejo em 2005, no ambulatório de uma psiquiatria pública. De lá saí dianosticada com TOC tipo agorafobia. É preciso ter muita coragem para encarar essa "realidade incorpórea" de corpos invisíveis e estigmatizados pelos estatutos da loucura! Bravo, Larissa! Lindo texto

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    1. é eliã...isso msm o q senti..então existem essas pessoas? por onde estavam? no mundo que me é apresentado elas definitivamnet enão existem.

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  2. Olá Larissa, ver teu blog, tua maneira de enfrentar o problema só aumentou a admiração que tenho por ti; Não é qualquer um que tem essa coragem de dar a cara a tapa, expressar aquilo que está em seu eu, e mostrar a realidade de uma parcela da população que por muitas vezes é invisível e ignorada por muitos; "Primeiro dia na psiquiatria pública" me retomou a uma passagem que já fiz; E sei que está com a "cabeça" fragilizada é uma luta constante, cada dia, cada segundo... É um caminho trilhado pelos fortes, pois é assim que devemos nos colocar frente a essas adversidades; UM grande beijo e torcendo muito por ti; Não desanimar é o primeiro passo e o seu posicionamento já se inicia de uma maneira grandiosa;

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    1. Já me sinto mais forte, Danilo. Apoios como este seu são importantes demais!

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  3. Larissa, Laroca, Larika... que belíssima surpresa encontrar o teu blog! Ele reafirmou poesia (ao menos para mim, que sou sua leitora assídua, agora ainda mais!):
    1. "Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios" (Manoel de BArros)
    2. "A vida só é possível reinventada" (Cecília Meireles)
    3. "Não quero saber de lirismo que não seja libertação" (Manuel Bandeira)
    4."Eu sou maior por dentro" (Dandara Galdino)
    5. "Eu sou uma interrogação vagando com pressa" (Daniela Galdino)

    Eu tenho, em meio ao turbilhão de coisas, gentes e fatos, colocar os 4 primeiros versos na prática cotidiana... não é fácil, mas é a forma de sobrevivência que mais me atrai no momento.

    A sua opção em escrever é bela, corajosa, forte e o melhor: a prova de que você não vai deixar a senseibilidade sucumbir. Fico radiante com isso! E estou contigo!

    Abraçp acirandado!

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    1. professora..obrigada por estar ao meu lado reticentemente exclamativa, sempre.

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