sábado, 28 de julho de 2012

Fazemos FaXadas.

Eu trabalho com a imagem e a imagem é nada, sede que é tudo. Sou do tempo do Xou Da Xuxa. Escrevi carta e esperei sorteio. Assisti Caverna do Dragão, Smurfs e Turma da Pesada. Queria ser Lark, a heróina de limousine rosa com piscina. Mais tarde,na hora do almoço, comia sanduíche com os X-Men, após ter rezado a Salve Rainha na Congregação das Irmãs da Sagrada Família. Nas escadas, rezar uma Ave-Maria, para fortalecer a vocação enquanto lembrava da força de Tempestade. Depois foi o tempo das coletividades. Mamonas Urbanas. Toda a sorte de desgarrados, inclusive Xispto, meu amigo imaginário. No dia em que todos filaram aula, nos corredores de Rio Novo, eu fiquei na sala chorando. Que medo das coletividades! Sem masculino, nem feminino, usava as roupas paternas para evocar uma filiação. Havia as madrugadas com cheiro de propagandas e festas. Eu lia Caros Amigos e assistia Otávio Mesquita. O sono. O sono sem fim de quem vê as cores e se emoldura nelas. Acho que sempre soube das movências. Os alicerces do magistério. Palhaço, psicólogo, assistente social, médico, policial,preparador físico, mestre. O que consegui ser?
Eu vivo da imagem. Eu sou essa moça que nunca será a mulher na sala de espera.Cadê o meu lençol sujo de sangue das noites de núpcias? Deveria ter guardado. Ou tirado foto, ao menos. Estes têm sido dias difíceis. Na renovação de minha licença médica, a perícia do INSS indicou, por duas vezes consecutivas, que não tenho "incapacidade laborativa". Eu fiquei confusa. Afinal, estou doente? Tenho algo que realmente me impede de trabalhar como professora?
Eu sou imagem. Recolho cheiros,texturas,movimentos, trilhas sonoras,cores,formas. Escolho o que me cabe e enceno. Sempre espetáculo, né doutora? Sempre a necessidade da persona. Mas eu não estou fingindo um medo de ficar viva ou uma sensibilidade extrema às desigualdades sociais. Eu realmente calculo se a queda será definitiva e realmente não entendo porque é normal essa família que, sem trabalhar com reciclagem,visita todas as noites o lixo do meu condomínio.
A imagem é tudo e sede é nada. Aliás, a gente não quer só comida. O gostosinho de barriga sarada da novela das 7 OU a empresa que pinta em sua fachada: "Fazemos FaXada". O candidato que usa o mesmo nome do pai e tem como slogan "a renovação" OU a moça que usa havaianas pra tirar onda de alternativa da mesma forma que usa um Louboutin para tirar onda de rycah? Qual deles te convence mais? Parabéns para você que consegue viver sem o medo de sair à rua e ter ânsia de choro. Parabéns para você que consegue se equilibrar. Parabéns para você que consegue fazer das imagens um relicário e não uma bula.
Olha, doutora do INSS, eu não sei que imagem eu lhe passo. Eu sei que não lhe apresento uma perna inchada ou um ferimento na cabeça. O que sirvo, neste banquete, é essa confusão de imagens que me atormenta a cabeça a todo instante. É irônico, mas eu, que fui uma péssima aluna em Desenho Geométrico, só penso em como arrumar essas imagens. É como se eu visse o mundo por meio de ângulos. Sempre recortando e entriangulando. Ou enquadrando. Ou encirculando. A Beira-Rio, na quinta à tarde, vai se diminuindo por conta própria, até chegar à esquina em que vejo a sombra da ponte perpendiculando o rio - o ponto extremo da dor. Da mesma maneira, daquelas meninas com farda de escola particular eu só consigo extrair o corte dos cabelos longos e lisos e luzeados. Bem iguais e bem diferentes dos cabelos amarrados daquela moça de short curto que descansa em frente à loja de 1,99 - o ponto extremo da dor.
Eu sou do tempo das imagens. Bem à noitinha, quando vou dormir, fecho os olhos e elas ficam. Sei que não estou de licença médica porque sou preguiçosa. Sei que não quero ganhar dinheiro "no mole". Sei que quero resolver essa situação logo (beeem mais rápido do que a psicóloga acha que consigo, inclusive). A única coisa coisa que não sei é se conseguirei ser, novamente, professora - o ponto extremo do amor.

3 comentários:

  1. Vc já sabe o que penso da forma como escreve, fantástica! Quanto a sua situação,entendo, pois tb não consigo compreender esses peritos do INSS. Interessantemente, muitos deles usam lentes, mas quase nenhum tem um olhar convexo. Tb não consigo calcular o valor do ponto máximo da dor... e isso me doí. Mas eu já conheci o ponto extremo do amor, o que me motiva a seguir tentando transformar imagens em relicários e um dia poder ficar a poucos passos da minha mestra inalcançável.

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  2. Minha querida AMIGA, de uma forma metafórica e meio enigmática, consigo - só agora - compreender "um pouco" seu endereço nas últimas vezes que tivemos contato... Sou CÚMPLICE de sua dor e se sigo trabalhando onde estou e sendo professor, é porque me falta a psicóloga e não tenho coragem de procurar a "doutora" do INSS... INSTIGANTE TEXTO E SIGNIFICATIVAS IMAGENS!!! Bjs! E UM ABRAÇO BEEEEEEM LONGO!!!

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  3. prima querida, vc é cronista, e mas melhores! e vai se sentir muito mais feliz quando conseguir abrir mão do que não te satisfaz mais e seguir o caminho ( profissionla eu diria) que te motiva, com todos os riscos que essas decisões imputam, claro! mas vale à pena. bjs

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